segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Talismã de eternidade

Desde criança vejo diversas formas de como eternizar-se ou eternizar aquilo que se ama e se pretende viver junto. Desde criança que eternizar pra mim é uma palavra complexa. Nos filmes, era possível tomar um elixir, apossar-se da Pedra Filosofal ou tomar da árvore da vida para alcançar a tão desejada eternidade. Nos desenhos da infância, era possível eternizar-se através de um talismã, o do cachorro, que significava imortalidade, vida eterna, para sempre presença corporal.

Ao ver as possibilidades dos talismãs, sempre pensava em escolher outros. O da invisibilidade me parecia interessante, pois poderia estar em locais nos quais as pessoas não saberiam da minha presença. O da agilidade me soava como o The Flash, outra produção cultural criada a fim de tornar espaço e tempo inversamente proporcionais. Mas o do cachorro sempre foi aquele pelo qual os vilões, em uma visão bem maniqueísta de mundo, lutavam para ter a todo custo. 

Hoje, pensando na eternidade, pensando nos animais, pensando nos produtos culturais, pensei em um amuleto. Não daqueles que se tem para dar sorte, contra feitiçarias. Não daqueles dos quais se crê enquanto estão atrelados ao corpo, fincados na pele ou ligados ao suor como aquela peça de roupa usada em momentos decisivos da vida. Mas sim uma espécie de amuleto capaz de proteger dos malefícios, dos desagrados e das más companhias. 

Uma espécie de amuleto eterno. Uma espécie que consiga trazer um pouco de paz e desassossego ao mesmo tempo. Um amuleto que possa estar ao acordar ou provocar o despertar. Uma espécie de amuleto que esteja ao dormir... Ao apagar as luzes... Os olhos. 

Uma espécie de amuleto, de fato, atemporal. Que perpasse os imediatismos e crie morada no pensar e no sentir. No sentir com o pensamento, como já diria Fernando Pessoa. E como eu sinto ao pensar! E como eu penso ao sentir! É como um círculo vicioso que vai e volta, não como a vida, maldita e ingrata, que apenas vai e leva consigo talismãs, produtos culturais e animais.  

Lonely rivers flow to the sea. Rios solitários fluem para o mar. Rios solitários levaram Sam de Molly em Ghost. Que ironia do destino.... Em algum dia, ela teria de partir. E aqui eu fico, fincando o talismã da eternidade em um texto que dura e representa bem mais do que catorze anos. 

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Sentimentos Naturais

Amigo, queres um resultado
A fim de o ego no céu tocar.
Sabes que essa vontade é mar
Ao invadir um pilar inacabado?

Podeis até desconstruir, tentar
Inda que a água o tenha tomado,
Saibas que teu bom agrado
Não tardará a se anuviar.

O pilar mesmo que naufragado,
Inda à espera de ser findado,
Sente em tempo o cair do mar

Cujo vento sopra no tear
Do pilar do mar debilitado
Mas naufragado sobrevive ar.

Finalizado em 22 de dezembro de 2015




quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Só das estrelas ouve quem já amou


Ouço as estrelas e as guardo para mim

Como um reluzir brilhante no céu, 
Que, ao crepúsculo, se esgueira ao fim
E se esconde por entre as terras em véu.

Ouço as estrelas e as entendo enfim
Após um belo e silencioso repousar
E, pelos ventos, elas sopram para mim
Que um calor faz o sabor do meu amar.

Ouço as estrelas e tresloucado vos sou.
Se não as ouve ou de as sentir não é capaz
Fala-me então desse coração mordaz,

Confessa a mim essa condição de incapaz,
Como Bilac em sua máxima antecipou:
“Só das estrelas ouve quem já amou”.


Em 06 de agosto de 2015

sábado, 16 de maio de 2015

Soneto da árvore sem amor

Sem você estou abaixo, 
Estou aqui, estou assim
Malogrado e cabisbaixo,
Sozinho, perdido, sem mim.

Sem você, a velha árvore
Na velha outonal vida,
Coração firme: mármore,
Que não susta... despedida. 

Sem você, adeus ao ar,
Na partida, o orvalho lento
No eu íngreme, meu desalento,

Dói no amar, no pensamento,
Da velha árvore, vindo do olhar,
No coração faz salpicar.

Em 15 de maio de 2015

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

De Tanta Cor, Meu Coração Parou


À pedido do amigo Alex Costa.

I

A cor vinda de ti
Era como poesia 
A meus olhos encantar

A poesia vinda de ti
Era como música
A meus ouvidos embalar.

A música vinda de ti
Era como cor 
A minha vida pincelar.

II

Ah, que esse moreno
Tem me consumido
cartas, poesia, canção.

Ah, que esse moreno
Tem me consumido
Gaita, cavaquinho, violão.

Ah, que esse moreno
Tem me enlouquecido
Miúdos olhos. –Não!

III

Me disse não,
Eu disse sim,
Fui-me afundando.

Me disse sim,
Eu disse não,
Fui-me estancando.

Me disse não, 
Eu disse não,
Fui-me acordando.

IV

Faltou-me o beijo,
Sobrou sorriso,
Ficou desejo.

Restou-me o riso, 
Cresceu o ensejo,
Chegou o abismo.

Vi-lhe num beijo,
Deu-me um sorriso,
Faltou-lhe pejo.

Em 03 de fevereiro de 2015

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Madame Satã, o anti-herói das noites da Lapa


Lapa, Rio de Janeiro, década de 1930. O bairro faz parte do grande Centro da cidade do Rio; boêmio e marginal é adequado para o surgimento de um personagem que, de fato, existiu: a Madame Satã. Inspirado no filme homônimo de Cecil B. DeMille de 1930, João Francisco dos Santos desfilou no bloco de rua Caçador de Veados como um morcego repleto de lantejoulas, fantasia que lembrava o filme em questão e lhe rendeu o apelido.

Karim Aïnouz dirige a obra cinematográfica, também homônima no ano de 2001, que apresenta a imagem de Madame Satã sem rótulos únicos e sem críticas. O personagem, repleto de vícios, problemas e verdades absolutas introduz uma leitura, no mínimo, interessante acerca da sua vida, da sua história e das problemáticas que o envolveram.

O personagem principal se apresenta como um anti-herói, característica representada pela boemia inerente à sua vida e às ações que executa. Homem violento, de grande garbo, que não se cala diante de injustiças impostas; se intitula malandro, trabalha como cafetão das pessoas que mantém em sua casa e se aproveita de outras financeiramente; é condenado por homicídio, e retorna à prisão várias vezes por desacato à autoridade.

Já no início do filme, enquanto seu retrato é destrinchado na prisão, pode-se ouvir a construção de um discurso que pauta o caráter do personagem principal na adesão a aspectos boêmios, como o seu vício no álcool, no fumo e no jogo. Características que, alinhadas a tantas outras, são suficientes para subjugá-lo como uma pessoa atroz e que, de modo correto, está sendo preso pela polícia. Para os policiais, o próprio local onde João morava era pré-requisito para envolvê-lo nos assuntos do submundo do crime, o que era demonstrado pelas frequentes “batidas” nos estabelecimentos do local.

As amizades que o personagem de Lázaro Ramos possuía também figuravam como frequentes nas noites da Lapa. Prostitutas, homossexuais, viciados, entre tantos outros, também são rótulos instituídos pelas autoridades para levar a crer na negatividade do caráter da Madame Satã. A família que construiu e para a qual cedeu sua casa para moradia era composta por pessoas que representavam essas características do “submundo” do Rio de Janeiro, para eles, João se assemelhava a um Deus, ao patriarca da família, aquele que tudo pode e para quem tudo se deve. 

O personagem também fazia parte da lógica das classes que até hoje se mostra presente na sociedade brasileira. Negro, pobre, homossexual, sem religião, qualquer uma dessas características já seria suficiente para pô-lo em uma situação de preconceito social, ainda mais unindo-as a uma pessoa só. Apesar de existir alguns poucos momentos onde esses aspectos são denunciados na tela, o diretor não foca o filme no preconceito sofrido pelo personagem, mas sim no psicológico e na superação diante desses fatos, momentos que só acontecem quando há a interação entre ele e os de classe social mais elevada.

Ainda em relação às classes sociais, é importante frisar a relação de dominante e dominado que o personagem principal exercia. Quando no trabalho, local onde servia aos mais ricos, exercia claramente a figura de dominado, algo reconhecido através dos abusos que sofria e do pagamento que não recebia. Em contrapartida, exercia a figura de dominante no seu lar, onde agia como cafetão dos seus amigos que, por deverem favores a ele, pagavam uma quantia graças aos seus trabalhos sexuais. 

Para defender-se dos abusos sofridos e da vida que tinha que seguir por não ser considerado um artista dos palcos (o que não o faz até os minutos finais do filme), João se utiliza de golpes de capoeira quando em perigo, o que lhe conferiu oportunidades de emprego de segurança em casas noturnas da Lapa. Além da defesa física, o protagonista também o faz psicologicamente a fim de expurgar os problemas que lhe aparecem. A sua frieza perante seus amigos e amantes caracteriza uma defesa sentimental que se justifica a partir do sofrimento frequente vivido.

Apesar de sofrer diferenciação social graças às características citadas acima, não a aceitava facilmente. João se sentia na obrigação de mostrar aos demais o porquê de todos serem iguais, independente de cor, classe ou gênero. Queria ser aceito em qualquer local da cidade do Rio de Janeiro como um cliente normal, que pagaria por sua conta e teria o direito, por isso, de frequentá-lo ainda que o local não tivesse gente da sua “estirpe”. Assim, o personagem pode ser entendido como o defensor da sua classe, alguém que viveu aquela realidade e que luta por alguma melhoria para seu povo, ainda que seja relativa à imagem que este representa para os demais.

Com relação à linguagem utilizada pelo personagem, observa-se a utilização recorrente da coloquialidade, algo justificado pelo seu analfabetismo e pela sua posição social diante do local onde vivia. O sexo por muitas vezes era tratado sem pudores, exemplificando a popularização desses termos em decorrência da profissão que exercia. No entanto, a adaptação da linguagem acontecia quando em diálogo com alguém mais instruído ou com quem tentava seduzir, nessas cenas, o vocabulário se apresentava de modo polido, com palavras rebuscadas e repletas de lirismo.

Por fim, é importante salientar que João Francisco dos Santos, a Madame Satã, figura como uma versão brasileira do clássico personagem que luta pelo “sonho americano”. Aquele ao qual, tenta alcançá-lo com todas as forças, de todos os modos, escapando dos infortúnios, saindo dos problemas e enfrentando dificuldades, mas nunca desistindo daquilo que o faz viver: o sonho de ser artista.
 Texto realizado para a disciplina de Cinema Brasileiro do curso de Jornalismo da UFC 


Logo abaixo você pode conferir o filme na íntegra que está disponível pelo youtube. 
Boa sessão :)


Referências 

Cinema Clássico. <http://cinemaclassico.com/index.php?option=com_content&view=article&id= 1646:madame-sata&catid=45:filmes&Itemid=54>. Acesso em: 15 jun. 2014.

IlhaGrande.Org. <http://www.ilhagrande.org/Madame-Sata>. Acesso em: 15 jun. 2014.

MADAME Satã. Direção: Karim Aïnouz. Roteiro: Karim Aïnouz et al. Rio de Janeiro: VideoFilmes, 2001. 1 DVD (100 min.).  


 

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O Pirambu e o Titanzinho

Podem até parecer diferentes, ou iguais, e são, ambos. O morador de uma periferia de Fortaleza sempre vai achar um bocadinho da sua em uma outra periferia de Fortaleza. Foi o que aconteceu hoje, lá pelas bandas do Titanzinho.

"É o que chamamos de ilha", essa foi a frase de entrada no Mucuripe. Aquele pedaço da cidade que só vai pra lá quem realmente vai fazer alguma coisa na região. Entre a Praia do Futuro, um ponto turístico, e o finzinho da Beira-Mar, um outro ponto turístico, pasmem: há mais um local para a turistada. Ou pelo menos deveria haver.

O Farol do Mucuripe, cantado e adorado pelos fortalezenses de nascença e de vivência está entregue a Deus dará. A maresia, a segunda maior do mundo, toma conta do prédio construído há quase duzentos anos e que representa uma parte viva da história de Fortaleza. Se não fosse o grafite do Grud e do pessoal do Concreto, dificilmente o poder público tomaria para si a proposta de revitalização (que até agora não aconteceu). O Concreto foi há um ano atrás, mas o Farol resiste e a arte urbana pintada nele também.

A vista do Farol então é um esplendor. A Praia Mansa e a do Titanzinho completam essa visão que, ligadas a um rápido pôr-do-sol, já atestam a beleza descomunal de uma das periferias mais removidas de Fortaleza. Remoção deveria ser o sobrenome do bairro (ou da comunidade) se o houvesse. Viver sempre na espreita, na tentativa e na esperança de não ser removido, de não ser jogado para um canto e depois para um outro, sempre em pé-de-fuga expulsos pela tão famosa especulação imobiliária. O estaleiro já caiu. E aquele "suposto lazer" que seria dado em uma área onde o pessoal costumava viver, surfar e se divertir também não encontra abrigo e morada nesse bairro tão maculado pela imagem negativa.

Negatividade que nem tem o Pirambu. Outro bairro da periferia de Fortaleza que sofre com as remoções e com a falta de apoio do poder público. As ruas estreitas do Titan são iguaizinhas às do Pirambu, com o povo sentado na rua, conversando miolo de pote e rindo; os bares do Piramba são points que nem os do Titan, e da criatividade deles então... nem se fala. Comunidades que têm uma similaridade grande entre si e uma relação estreitíssima com o mar. O surf e a pesca são os maiores exemplos dessa relação, fazem parte do dia-a-dia dos moradores. Difícil é entrar em uma rua do Titanzinho e não ver um rapaz com uma prancha com aquela sede de cair no mar, ou como no Pirambu, mais difícil ainda é não conhecer um pescador que se coloca no mar para poder alimentar a família.

O Titanzinho é o cenário perfeito para as novas histórias que passarei a conhecer com o Coletivo Audiovisual que conheci pela Universidade. Em uma mostra de como a extensão universitária pode produzir saber e aprendizado para, com ela, relacionar o meu mundo com o alheio. Se o Pirambu e o Titanzinho têm mais similitudes, isso eu só vou saber daqui pra frente. Que comece!

Em 03/12/2014