sábado, 21 de dezembro de 2013

Quão doce tu és!

No aconchego do meu apreço,
Confundem-se os meus sentidos:
Ou teu cheiro me tem endoudecido
Ou teu ser me deixado avesso.

Curioso é mal ter te conhecido
E tão rápido desejar-te por perto.
Quão louco pode um sentimento incerto
Ser capaz de se manter indefinido?

Se teu beijo por mim não foi provado,
Tua beleza tem meus olhos esvaído,
Tua voz meus ouvidos controlado,

Teu abraço meu corpo contornado,
E teu cheiro, inefável e incontido, 
Pode doce ter meu corpo arrebatado.

Em 21/12/2013

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

s e PAR a ç ã o


Quando aquele som Beatle não disser mais nada,
Eu ainda quereria segurar tua bela mão,
E na tua ida, inda te imploraria, em lágrimas, 
Que deixaste aqui minha parte do teu coração.

Solitude, e o vazio é tão imenso como a imensidão.
Liberdade, e o voo aprisiona minha própria prisão.
Saudade, e teu cheiro me mata em sensação.
Choro, e as lágrimas caem como uma extrema-unção.

Em 02/12/2013

domingo, 27 de outubro de 2013

Solitude

No íntimo fortuito: só.
Vazio me completo pianinho.
No escuro da alma: pó,
Estrito, indefinido, sozinho.

Revela-se no ar a solidão,
Some então o que penso ser,
Sequioso e com sofreguidão
Encontro-me a não me perder.

Súbito, puxado da invalidez, 
Aos poucos: tentar amar. 
Inevitável. A solidão me fez 

Esquecer de fato o que é estar 
E a solitude, mais uma vez, 
Inexorável me levará.

Em 27/10/2013

domingo, 13 de outubro de 2013

Tu vai!

Quando o sol se puser e a lua
Inundar-nos com sua beleza,
Tu ainda dirás com certeza
Que é minha a alma tua?

Quando cair o orvalho na rua
E às tuas lágrimas unir-se com destreza,
Tu ainda dirás com certeza
Que é minha a alma tua?

E quando pela última vez se encontrarem
Nossos lábios carnais, minha princesa,
Tua pele me acariciar nua,

E os pássaros ao longe assobiarem,
Tu ainda dirás com certeza
Que é minha a alma tua!

Em 13/05/2013

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Crítica: "Fahrenheit 451 (1966)" de François Truffaut

"O poder incomensurável da leitura e a incineração, por Truffaut, da sociedade da alienação."

A década de 1960 foi marcada pela instauração de regimes totalitários ao redor do mundo. Rodeado pela Guerra Fria, em 1964, o Brasil entrou em um dos seus momentos mais críticos, a ditadura civil-militar, momento de supressão de direitos e censura à arte e aos artistas. Cantores foram exilados, escritores impedidos de publicar livros com viés opositivo, e com isso, não seria muito difícil imaginar uma época em que todos os textos que fossem de encontro ao pensamento do Estado seriam censurados, ou quem sabe incinerados.


“Fahrenheit 451 (idem, 1966)” foi lançado nessa atmosfera e norteia esse pensamento através da futura sociedade da desinformação. O filme foi baseado na obra homônima de Ray Bradbury, e adaptado para o cinema sob as mãos de François Truffaut, cineasta francês e expoente de um dos movimentos mais importantes da história do cinema, a Nouvelle Vague. Truffaut, em seu único trabalho em língua inglesa, pinta uma sociedade marcada pela censura, onde o livro é propagador da infelicidade, e a televisão um ser cultuado e responsável pela socialização do indivíduo. 

Guy Montag (Oscar Werner) é um bombeiro em uma época onde a função dessa profissão está mudada, bombeiros não apagam mais fogo, eles incineram livros, estes os causadores do mal da sociedade, inspiradores de imaginações férteis e vãs e que por isso precisam ser excluídos da vida das pessoas. Ao conhecer Clarisse (Julie Christie), defensora veemente da literatura, Montag se vê interessado pelos livros e aos poucos se torna um leitor assíduo, diferente de sua esposa, Linda (Julie Christie novamente) que é moldada pelo Estado através da televisão, principal veículo propagador de informações. 


Truffaut, genialmente, nos insere na realidade dos personagens ao excluir da obra cinematográfica qualquer letra que possa lembrar algum discurso escrito; nos créditos iniciais, em vez de observarmos os nomes dos realizadores perpassando na tela, apenas escutamos um narrador fazendo esse exercício, durante toda a exibição, só se pode ver algum tipo de texto em um livro, o que aumenta de modo inevitável a defesa do espectador pela preservação desse instrumento. 

O francês também concentra sua crítica no ataque à sociedade da alienação, personificada pela personagem Linda, que prefere tragar informações pela televisão, mas não se importa em filtrá-las, tornando-se assim títere do meio social em que vive apenas por não ter disposição para encará-lo. Fica clara a intenção do diretor em demonstrar que, para ele, é nociva a preferência de uma parcela da sociedade que preferiu aderir ao fenômeno televisivo em vez da leitura.


Mas a crítica principal ainda se vale perante a censura, ato duramente questionado e explanado na produção, nesta os livros não representam apenas a si mesmos, mas qualquer material que apresente conteúdo opositivo ao regime instaurado. Pode-se verificar que a arte foi suprimida e que seus detentores perseguidos pela razão de espalharem infelicidade, o ato de sentir foi excluído da vida social, os sentimentos eram considerados sinônimos de fraqueza e é contra eles que se devia lutar.


O aspecto único adquirido pela obra cinematográfica também pode ser reiterado através do jogo de planos dado por Truffaut, o primeiríssimo plano (ou super close) pode ser observado nos momentos de leitura dos personagens, intencionando o espectador a concluir que nesse momento eles poderiam ser melhor entendidos. Em contrapartida, preservando as características da Nouvelle Vague, a estética do fragmento é bem distribuída dando à obra uma relação de acaso graças às frequentes mudanças de planos e lugares; quanto à narrativa, observa-se também relação com a vanguarda no tocante à presença do personagem marginal representado por Montag e à valorização da posição do narrador.

“Fahrenheit 451” ainda continua a ser uma das mais belas obras com viés questionador realizadas na década de 1960, sua crítica ferrenha à censura, à supressão dos sentimentos e à alienação da sociedade faz com que o espectador reflita sobre tais pontos e os exclua da sua visão de sociedade futura. François Truffaut suscita os sentidos e mostra a qualquer observador a importância do querer ser, do querer fazer, e acima de tudo do querer sentir, enquanto esta for a principal razão de se viver.


sábado, 14 de setembro de 2013

Crítica: "Elefante (2003)" de Gus Van Sant

Uma belíssima experiência sensorial, que elimina o tato da parábola budista e dá aos cegos deleitosos olhos.

"Dois estudantes estraram em sua escola na manhã de 20 de abril de 1999, sacaram armas e começaram a atirar em seus colegas e professores. Eles planejavam o ataque há mais de um ano e, com um estoque de explosivos, pretendiam destruir a escola inteira."

O massacre de Columbine, que fica em Colorado nos Estados Unidos, até hoje é lembrado como um dos maiores do país e causa, inevitavelmente, um certo tipo de comoção por parte de estudantes, professores e familiares que tinham algum tipo de relação com a escola ou com as vítimas. Apesar de ter havido outros,  como o da escola primária de Sandy Hook, em Connecticult no ano passado, os norte-americanos não são os únicos que sofrem com os ataques em escolas. No Brasil, mais especificamente na comunidade do Realengo no Rio de Janeiro, um ex-aluno da escola Tasso da Silveira, na manhã do dia 07 de abril de 2011, disparou contra estudantes, dos quais onze crianças foram mortas e outras treze ficaram feridas. 


Baseado quase que totalmente no "Massacre de Columbine" e no documentário homônimo de Alan Clarke de 1989, Gus Van Sant roteirizou e dirigiu uma das grandes obras da década passada. O título é baseado em uma parábola budista sobre um grupo de cegos que examinam diferentes partes de um elefante; cada um afirma que entende a natureza do animal com base apenas no tato, nenhum vê ou sente sua totalidade, mas todos arriscam um palpite, que se mostra deveras equivocado. 

"Elefante (Elephant, 2003)" se infiltra no universo adolescente e narra de modo fascinante sua realidade, para tal, Van Sant frequentou a "High School" americana, que é palco da película, e selecionou dentre tantos alunos, depois de vários testes, os atores que mais convinham com sua perspectiva. A partir das entrevistas e da convivência, o diretor foi montando o que seria o roteiro final do filme, preservando por vezes diversos diálogos que ocorreram entre os estudantes no período de seleção de elenco. 


A crítica social presente na obra não se restringe somente à ação dos jovens assassinos, muito pelo contrário, eles são colocados como mártires tendo em vista o sofrimento que frequentemente estavam a encarar nos corredores do colégio, o bullying é claramente o responsável pelas mortes e é a ele que o diretor se refere e se posiciona amplamente contrário. Como plano de fundo e respeitando os moldes de qualquer instituição de ensino da atualidade, não poderiam faltar as patricinhas fúteis, os jogadores metrossexuais e os "nerds" tidos como estranhos para o resto do grupo; esteriótipos que irão fomentar também as discussões de gênero, mas de maneira bem singular: Como conhecer um homossexual? Se ele usar uma pulseira de arco-íris? E se ele usar rosa? Fica clara a posição do diretor americano acerca do tema no momento em que, de repente, os jovens assassinos tomam banho juntos e juntos têm seu primeiro e último beijo. 

Van Sant, não contente em apontar sua mira apenas aos adolescentes e seus atos, também critica o governo dos Estados Unidos e o acesso a armamentos pesados que é dado aos cidadãos. No filme, os jovens encomendam armas por um site de compras e rapidamente o pacote chega no endereço solicitado, apesar de o entregador, ironicamente, dizer que a dupla estaria "matando aula". 


A antítese aproximação/afastamento, a partir da ideia de planos e enquadramentos, é destrinchada pelo diretor quando em  sequência, a alternância entre plano geral, plano médio, plano americano, e primeiro plano são feitos de forma lógica; a troca quase que costumeira reitera a ideia de, ao mesmo tempo, conhecimento e desconhecimento do personagem em questão. O ângulo de nuca, usado e abusado, funciona como intenção do diretor em fazer com que o espectador seja o personagem e acompanhe o desenrolar da trama a partir deste ponto de vista, ação que só é melhorada com a presença dos "travellings", tão costumeiros em "O Iluminado" de Stanley Kubrick e a cena final em "Acossado" de Jean-Luc Godard. 


Elefante é uma belíssima experiência sensorial, que elimina o tato da parábola budista e dá aos cegos deleitosos olhos, para que, com eles, uma obra de arte contemporânea possa ser observada, e posteriormente saudada, quer seja pela sua crítica social, pela sua magnânima direção ou pela sua incrível fotografia. Aqui, Gus Van Sant alcança seu auge e marca seu nome e seu complexo "animal social" na história do cinema.


Fontes:

sábado, 7 de setembro de 2013

Indiferença

Então me ponho à tua frente
Buscando te entender, em suma, 
Com a boca rica em escuma
E o ventre em calor fremente.

Procuro uma simples sensação
Ou qualquer sorriso indecente,
Um mexer de dedos displicente,
Um breve toque em solução.

De frente ao teu eu indiferente
Como estorvo me sinto tratado,
Ao léu, jogado e rechaçado,

E ainda de modo insistente
Te questiono do Nós inacabado,
Mas tu: um olhar inalterado.

Em 07/09/2013

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Vil Algoz

Enquanto galgas teu áspero acesso
Através da corriqueira impolidez,
Mais clara fica tua insensatez
Em acreditar no onírico sucesso.

Teus seguidores, de subserviência sedentos,
Te auxiliam na falsa caminhada,
Onde tua educação desgovernada
Atropela-os sem hesitação aos ventos.

Interessante é ver o fulgor
Pelo mestre causador de tal dor
Aos risos de deboche se reafirmar.

Mais interessante é sentir na alma
Que a humilhação, combustível da calma,
Virá no topo seu lugar lograr.

Em 11/03/2013

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Meu Sol

Onde está meu sol?
Preciso de calor, preciso florescer.
Onde está meu sol?
Tenho minha lua, tenho minhas estrelas,
Mas por que não tenho meu sol?
Para onde ele foi?
Ele me deu a Vida.
Ele deve me ver crescer.
Brotam as folhas...
Passam as primaveras...
E meu sol onde está?

Súbito, vejo raios de luz.
Ele aparece como um Deus
E parece estar surpreso.
Reaver o tempo perdido?
Não! Palavras doem, ser sol!
E os atos também!
Volta para tua escuridão.
E esquece de mim. Esquece!

Insistentes reaparecem os raios.
Aos poucos floresço melhor.
Sem sol, era a metade de mim.
Completo, deixo de ser a breve árvore
Que, na minha vida outonal,
Fruto nenhum podia dar.

O escuro se foi
Sou embalado pela minha lua.
Cintilado pelas minhas estrelas.
Enaltecido pelo meu sol.


Em 15/08/2013

sábado, 10 de agosto de 2013

Crítica: O Bebê de Rosemary (1968) de Roman Polanski.

A década de 1960 foi, sem dúvidas, uma das mais importantes para a reafirmação do conceito de "arte" ao cinema. Na França, a Nouvelle Vague era aplaudida e já estendia sua influência para o resto do mundo; na Polônia, um certo diretor aparecia como um grande inovador do cinema europeu, seu nome: Roman Polanski. Após ter dirigido obras clássicas como "Repulsa ao Sexo (Repulsion, 1965)", o polonês se insere no cinema Hollywoodiano e resolve, felizmente, adaptar o livro de terror psicológico do escritor Ira Levin, intitulado "O Bebê de Rosemary (Rosemary's Baby, 1968)".


O filme narra a jornada feminista e maternal de Rosemary (Mia Farrow), uma mulher que após se mudar com seu marido, Guy (John Cassavetes) para um novo apartamento a fim de estabilizar a vida matrimonial, se vê inserida numa realidade adversa da que estava acostumada. Os dois se aproximam de um casal de idosos um tanto esquisitos e "simpáticos demais", o que leva a esposa a desconfiar da sua índole. Quando enfim o psicológico da protagonista norteia a obra, Rosemary está grávida e desconfiando que haja uma conspiração entre o casal idoso e alguns amigos com o intuito de roubar o seu filho.


O roteiro adaptado pelo próprio diretor e baseado no livro de Ira Levin nos faz adotar a realidade/fantasia da personagem principal, adoção apoiada na caracterização de Rosemary como mártir e o seu amplo ceticismo acerca dos atos das pessoas que fazem parte do seu círculo de amigos. A força maternal é esbravejada na película como uma capacidade inerente à mulher que, independente do sofrimento que esteja passando, preocupa-se primeiramente com a saúde do filho que está prestes à dar a luz. O terror permeia a obra através das dúvidas da protagonista quanto à bruxaria utilizada pelo casal de idosos e o satanismo presente quase que no fim daquela.


Mia Farrow pinta de modo interessantíssimo uma das personagens mais inesquecíveis de todos os tempos, o ícone da maternidade, a força do feminismo, e a luta pelo seu ideal; John Cassavetes é mais contido e ainda assim dá um show de interpretação e enaltece a excelente coesão que existe entre a dupla. O casal de idosos interpretado por Ruth Gordon (vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante) e Sidney Blackmer também recheiam o elenco com muita ousadia. Tudo isso confere ao filme uma aula de interpretação, onde os quatro atores principais conseguem mantê-lo sempre em altíssimo nível.


Roman Polanski dispensa qualquer tipo de apresentação, tão famoso pelo seu trabalho (e por que não pela sua vida pessoal?), ele nos insere em um dos maiores clássicos de horror da história do cinema e, de modo ímpar, dirige seus atores com uma maestria indefinível. A câmera de Polanski, repleta de tensão, nos mostra sequências soberbas que acompanham os passos de Rosemary, algumas outras apoiadas na singular trilha-sonora que casam perfeitamente com a linearidade que se dá no decorrer da produção.


Considerado como clássico do terror, o filme é ainda hoje base para tantos outros do gênero, para tal, Polanski resolveu nos apresentar uma obra limpa, fria e de valor incomensurável. A personagem Rosemary virou "figurinha carimbada" e o elevou ao status de gênio que ele já vinha adquirindo há algum tempo. É inegável que o diretor polonês realizou uma grande produção, e mais inegável ainda é a sua capacidade de levar à tela aquilo que sempre esperamos de um grande diretor: uma obra-prima


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Crítica: Paradise Now (2005) de Hany Abu-Assad

A disputa territorial entre Palestina e Israel continua a ser tema certo nos noticiários mundiais. O impasse, que remonta do final do século XIX, possui diversas formas de ação contra o inimigo, dentre elas os famosos "homens-bomba", termo usado em alusão ao suicida que se prende a uma bomba letal com o intuito de matar uma certa quantidade de soldados do "outro lado".


"Paradise Now (idem, 2005)" narra um momento particular na vida dos amigos de infância Said (Kais Nashef) e Khaled (Ali Suliman): a missão de honrar a Deus. Para que isso aconteça, ambos deverão participar de um ataque terrorista em Tel Aviv, onde a intenção é atuar como homens-bomba e destroçar uma certa quantidade de soldados israelenses. Apesar de ainda haver dúvida sobre a necessidade da missão, a dupla resolve fazê-la, porém algo inesperado acontece, um grupo de soldados percebe a presença dos palestinos e os impede de entrarem no território inimigo. Os amigos se separam e uma confusão psicológica parece tomar conta de Said que, perdido, vaga pelas ruas em busca de "razão". Khaled o reencontra, junto de Suha (Lubna Azamal) - a filha de um dos maiores mártires palestinos e provável paixão de Said - e todos retornam para o grupo que planejou a ação afim de ainda assim a concretizarem.


O roteiro, assinado pelo próprio diretor e por dois colaboradores (Bero Beyer e Pierre Hodgson) consegue conferir à obra cinematográfica e aos seus protagonistas um aspecto remissor, uma vez que a vida e os preceitos religiosos dos personagens principais - e homens-bomba - são reunidos e demonstrados com realismo. A luta pelos seus ideais políticos e a dificuldade para diferir o correto do errado também são temas recorrentes no roteiro do trio que, como se espera, também deixa claro qual sua opinião acerca do ato terrorista.


A direção de Hany Abu-Assad é, desde o primeiro minuto, no mínimo, intrigante, tendo em vista que o belíssimo enquadramento inicial  é de deixar qualquer fã da sétima arte maravilhado, assim como a primeira sequência que percorre a chegada de Suha. Com o desenrolar da trama, o realizador parece ganhar mais confiança e nos apresenta uma visão humanista, fria e extremamente realista do terrorismo no Oriente Médio. Abu-Assad consegue ainda dirigir o seu elenco de forma única, transformando-os em cópias fiéis dos personagens preconizados no roteiro.


Paradise Now é, de fato, um dos grandes filmes produzidos no Oriente Médio na década passada, apesar de a produção cinematográfica na região ainda ser muito baixa, Hany Abu-Assad demonstrou que é possível sim realizar boas obras ainda que o local não contribua para tal. A força da luta pelo seu ideal, a realidade sentimental do atordoado terrorista e a busca pela redenção são os três maiores pilares que sustentam o filme; e é com pilares tão fortes como esses que espero, sinceramente, que o cinema palestino continue a render bons frutos ao mundo.


sábado, 3 de agosto de 2013

Tendo você

Para que amendoeiras?
Eu só quero você.
Me encaixar nesse seu verso.
Ser seu céu.
Azul.
Verde.
Amarelo.
Pouco importa minha cor.

Para que amendoeiras?
As ruas não me servem.
Meu pensamento não me guia.
Poetas se tornaram obsoletos.
Sons pararam de me tocar.
Se você me toca,
Sou seu caminho.
Sou seu poeta.
Sou seu som.

Para que amendoeiras?
Com você a dor se esvai.
Meu choro seca.
Meu ser palpita.
Meu corpo anseia.
Minha veia arde.
Minha vontade aumenta.
Meu desejo explode...
... E me torno completo.


Para que amendoeiras?
Eu só quero você.


Em 03/08/2013

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Sanado

À pedido do amigo Alex Costa.

De repente estava alucinado,
Me vi intrigado com uma feição
E, em ilusão, pensei ter me entregado,
Mas de repente estanquei do coração;

De repente estanquei a sensação
Que então me torna apaixonado,
O inusitado não acontece em vão,
E são como te deixarei sem ser amado?

Ó, súbito! Não me vem agora não!
De emoção meu tempo é recheado,
De inspiração é reconvexado,

E de paixão em todo circundado,
Mas instigado pergunto sem discrição:
Quer ser amado? Dá-me tua mão?

Em 01/08/2013

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Me perdendo...

Eu não queria te perder.
Eu queria me perder.
Me perder na imensidão do teu olhar,
Na sutileza do teu sorriso.
Eu queria me perder.
Me perder no calor inexorável do teu beijo,
No aconchego interminável do teu abraço.
Eu queria me perder
No teu suspiro ao meu ouvido
Ou no olvido de te esquecer.
Eu queria me perder em ti.
E me encontrar também.
Sermos apenas um.
Um só olhar, um só suspiro, um só sorriso.
Um amor que tenha mais de ti do que de mim,
Sendo mais tu, mais ainda serei eu.

Em 30/07/2013

terça-feira, 30 de julho de 2013

O desassossego que me desassossega


Devaneios e desejos me alimentam. Conformado como há pouco não estou. Necessidades retraídas tomaram posse de mim, agora sinto-me títere do sentimento e da reação que, enquanto ação, me elucidou. Sensação atual, errônea, improvável. Sensação carnal, sexual... Libido. Sensação que me atormenta, me desassossega, tira meu sono. Ai, quem me dera ter meu sonho interrompido pelo corpo teu que, silencioso como um olhar penetrante e desejoso, me ascende ao infinito. Ai, quem me dera poder atracar no teu porto, te levar pelo meu mar e desaguar em ti. Ai, quem me dera ver Bethânia a cantar o nosso som e, como badaladas matinais, soar enquanto fores meu. Mas, eu não me apego e, por isso, te deixo quieto, e me deixo só. Me sinto só. Poucos conseguem fazer minha frieza desmoronar. Tu és merecedor, e tu me tens ainda que o fogo que arde em mim continue a queimar. E, queimando, espero até que tu possas me aliviar da dor de ser e me elevar ao prazer de sentir.

Em 30/07/2013


segunda-feira, 8 de julho de 2013

Música: "Parque Industrial" de Grande Liquidação (1968).

Tom Zé já é sinônimo de qualidade, e seria impossível não fazer uma análise de uma música do mestre baiano. Famoso por compor de forma bastante autoral, Tom Zé se lançou no mundo da música em 1968 com seu primeiro disco "Grande Liquidação (1968)", onde canta e encanta, em épocas de ditadura, para os brasileiros. Nas palavras do próprio sobre o disco: "Somos um povo infeliz, bombardeado pela felicidade. O sorriso deve ser muito velho, apenas ganhou novas atribuições." e continua: "Entretanto, quando os sorrisos descuidam, os noticiários mostram muita miséria."


Sabe-se que a tristeza estava presente em grande parte da vida dos artistas e estudantes enquanto sob regime ditatorial civil-militar (1964-1985). Ao mesmo tempo, o país crescia com a industrialização e, com ele, o sonho de torná-lo uma nação "desenvolvida" crescia junto. "Parque Industrial" canta, através de ferrenhas ironias, justamente essa ambiguidade, a infelicidade mascarada de felicidade, a produção "Made In Brazil" e até a mudança brusca dos assuntos "relevantes" nos meios de comunicação.


Retocai o céu de anil,
Bandeirolas no cordão,
Grande festa em toda a nação.

A primeira estrofe já exprime o amplo sentimento nacionalista que se tinha na época do desenvolvimento. Em contrapartida, o irônico primeiro verso já inaugura o belíssimo jogo realizado no decorrer da música; ao "retocar o céu de anil", tem-se, obviamente, uma grande crítica ao subproduto das fábricas que estavam tomando o espaço brasileiro, no caso, a poluição do ar tão criticada até hoje.

Despertai com orações,
O avanço industrial
Vem trazer nossa redenção.

Nessa estrofe, temos novamente a presença da ironia do cantor ao sugerir que a industrialização trará redenção aos brasileiros, o que funciona perfeitamente para a situação pois somos tão famosos por formarmos um dos países com o maior número de católicos do mundo.


Tem garotas-propaganda
Aeromoças e ternura no cartaz
Basta olhar na parede,
Minha alegria
Num instante se refaz.


Na terceira estrofe, o baiano exemplifica algumas das consequências adquiridas pela sociedade com o advento da industrialização, como as garotas-propaganda e a ternura que um cartaz pode passar representando, assim, a  força da publicidade; e as aeromoças simplificando o mercado aéreo, já que o avião era, na época, um dos maiores e melhores modelos da capacidade criativa do homem. O fim da estrofe retoma a ironia das outras ao haver a afirmação de que a alegria se reapresenta ao simples ato de olhar a uma parede recheada de anúncios publicitários.


Pois temos o sorriso engarrafado
Já vem pronto e tabelado
É somente requentar e usar
Porque é made, made, made, made in Brazil.


Nessa estrofe, Tom Zé continua o pensamento da anterior, agora o sorriso também faz parte do processo de industrialização. Ele foi engarrafado, tabelado e já vem pronto, basta apenas "requentá-lo", ou seja, que outro processo industrial seja usado. No fim, vemos a adoção do termo em inglês "Made In Brazil" que significa "Fabricado no Brasil", em alusão ao texto que está nos produtos adquiridos de origem nacional.


A revista moralista
Traz uma lista dos pecados da vedete,
E tem jornal popular
Que nunca se espreme 
Porque pode derramar

É um banco de sangue encadernado
Já vem pronto e tabelado
É somente folhear e usar
Porque é made, made, made, made in Brazil.


Nas últimas estrofes da canção, Tom Zé critica o caminho em que os meios de comunicação tomaram para atrair o público, assim, se assemelhando ao processo industrial que estava em voga, como uma revista que se julga detentora da moral, e por isso, expõe os pecados das atrizes famosas; ou um jornal, que se julga popular, mas vive às custas do sangue doado com a violência e a miséria das ruas. No penúltimo verso, vemos que, com isso, os meios de comunicação passaram a ser vazios, e a população, em resposta, passou a apenas folhear, passar os olhos sobre eles. E sim, tudo isso foi e ainda o é fabricado no Brasil.


"Parque Industrial", uma das grandes obras-primas do baiano, foi gravada também para o disco que inaugura o movimento tropicalista no Brasil, o "Tropicalia ou Panis et Circensis (1968)" e revela o criticismo do cantor e compositor acerca do desenvolvimento brasileiro pautado na indústria. A ironia, tão presente em suas produções, ganha um espaço todo especial e, de modo inteligentíssimo, reafirma o que, para mim, já é uma realidade: a genialidade de Tom Zé.


Fontes:
  • http://www.tomze.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=82:tom-ze-1968-sony-music&catid=6:discografia#4b

  • http://tropicalia.com.br/eubioticamente-atraidos/visoes-estrangeiras/tropicalia-modernidade-alegoria-e-contracultura#sthash.EHlaTQ8i.dpuf
  • http://jeocaz.wordpress.com/2009/02/16/tropicalia-ou-panis-et-circencis-o-album-manifesto/


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Na espera: O Hobbit - A Desolação de Smaug de Peter Jackson

A segunda e aguardada adaptação da obra literária de J. R. R. Tolkien está com os dias contados para estrear. "O Hobbit - A Desolação de Smaug (Hobbit: The Desolation Of Smaug, 2013)" está previsto para rechear as telas brasileiras em 13 de dezembro deste ano. Esta semana, o primeiro pôster nacional do filme foi divulgado e pode ser conferido logo abaixo.


Peter Jackson (O tolkienmaníaco) assina, como de praxe, a direção da sequência e conta com o apoio de Phillipa Boyens, Fran Walsh e, ninguém menos do que Guillermo Del Toro para a adaptação do roteiro. A história continua a narrar a expedição de Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), Galdalf (Ian McKellen) e a trupe de anões que anseiam pelo tesouro, que lhes é de direito, mantido sob proteção do dragão Smaug. O primeiro trailer do longa foi divulgado no mês passado e por ele pode-se ter uma ideia da grandiosidade que vem por ai. Apenas aguardando dezembro.


sexta-feira, 28 de junho de 2013

Por ti até mato!

Com indiscrição, meu caro amigo,
Digo o que para mim é correto:
Quem de ti com mentiras estava perto
Levará os malogros da vida consigo.

Ao escutar as palavras calmamente
Saírem dentre os lábios da cobra,
Cobrei-me por deixar alguma sobra
De qualquer pedaço vivo da serpente.

Agora te apresento meu bel-prazer:
Te garanto que em nenhum momento
Deixarei com que o alheio intento

Venha mal algum a ti fazer.
Se ele vier, Hades o esperará
E se arrepender com dor, ele irá.

Em 31/01/2013

terça-feira, 25 de junho de 2013

De volta...

Com a série de manifestações que aconteceram no Brasil nesses últimos dias e que continuam a acontecer em vários estados, mas agora em uma frequência e quantidade bem menores, voltarei a postar no blog. Confesso que senti falta de comentar, criticar, analisar... Escrever, mas o momento do país é tão único e se desenrola de maneira tão magnífica que foi  (e ainda o é) impossível não ficar concentrado nos jornais que falavam sobre as manifestações ou ir à rua para ter a sensação de lutar por algo crível. Provavelmente a onda de protestos ainda durará por um tempo, e daqui a alguns dias ou semanas, farei uma postagem sobre um dos maiores movimentos que a nação já observou. Amanhã, vamos de poesia. :)

Vanessa Magalhães no maior protesto em Fortaleza que reuniu
mais de 80 mil pessoas, o "+ pão, - circo, copa para quem?"
em 19/06/13 próximo à Arena Castelão.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Música: Apelo de Vinícius, Bethânia e Toquinho En La Fusa (1971)

Uma das grandes duplas que rechearam o movimento nacional conhecido como Bossa Nova, sem dúvidas, foi Vinícius de Moraes e Baden Powell; Vinícius com sua poesia, Baden com seu violão. Parceiros de um dos álbuns mais consagrados da Música Popular Brasileira, o "Os Afro-Sambas", onde "Canto de Ossanha" e "Canto de Xangô" se destacam como verdadeiros hinos da cultura negra, Vinícius e Baden gravaram uma das maiores obras-primas brasileiras: "Apelo".


"Apelo" tem sua melhor gravação em um álbum de 1971 onde Vinícius, Toquinho e Maria Bethânia se apresentaram em uma das boates mais famosas de Buenos Aires: a La Fusa. O local serviu de palco para outras gravações de Vinícius e era praticamente a segunda casa do poeta. O disco do trio ainda conta com tantas outras canções conhecidíssimas como "A Tonga da Mironga do Kabuletê" e "Como Dizia o Poeta".


A música reflete o estado de um homem que, por algum motivo (provavelmente traição), foi deixado pela mulher amada, e implora para que ela volte para o seu cotidiano, para a sua vida, para o seu amor, esse é o grande apelo tratado. Cortada pelo "Soneto de Separação" de autoria do próprio compositor, o que só acrescenta ao som uma característica mais poética, a canção se torna sentimento a cada palavra dedilhada pelo trio e insere o ouvinte em uma realidade pós-rompimento tão dolorosa que se torna difícil de explicar.

Ah, meu amor, não vás embora
Vê a vida como chora, vê que triste esta canção.
Não, eu te peço não te ausentes, 
Pois a dor que agora sentes só se esquece no perdão.

A primeira estrofe inicia o apelo do eu-lírico e sugere que a amada ainda está presente, no momento, ele não quer que ela vá embora; Vinícius, além de se usar de personificação (a vida chora) e admitir que a intenção da canção feita é ser triste, afirma com toda a certeza que a dor causada por ele só será esquecida caso seja perdoado por seu amor.


Ah, minha amada, me perdoa
Pois embora ainda te doa a tristeza que causei.
Eu te suplico não destruas
Tantas coisas que são tuas por um mal que já paguei.

Na segunda estrofe o pedido por perdão continua a mover o poeta, a palavra "súplica" o transporta para um estado demasiado inferior. Apesar de saber que a tristeza ainda provoca muita dor na amada, o eu-lírico afirma que o que foi feito, foi pago, e que mesmo em estado de destruição, ainda continua sendo dela.

Ah, minha amada se soubesses
Da tristeza que há nas preces que a chorar te faço eu,
Se tu soubesse num momento
Todo o arrependimento, como tudo entristeceu,

Se tu soubesses como é triste
Eu saber que tu partiste sem sequer dizer adeus,
Ah, meu amor, tu voltarias
E de novo cairias a chorar nos braços meus.

A partir da terceira estrofe, Vinícius inicia uma oração condicional que só terminará no fim da quarta. A intenção agora, é supor como a amada se sentiria caso soubesse o que ele está sentindo, que há tristeza nas preces rogadas e regadas à lágrimas realizadas, que o seu arrependimento é tão grande que chega a entristecer o mundo, e como é ruim saber que ela havia partido sem se despedir. O eu-lírico afirma no fim que se ela soubesse e sentisse isso tudo, com certeza voltaria para os braços que por tanto tempo receberam o choro e o desespero dela.


Com o término da quarta estrofe, na versão de 1971, o poeta declama um dos seus poemas mais famosos, o "Soneto de Separação", que cai como uma luva e embeleza mais ainda a clássica canção. O soneto, através de antíteses, relaciona os sentimentos de um casal enquanto estão juntos e após o término do romance; o que era riso, abruptamente, se torna pranto, por exemplo.

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama,
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante,
Fez-se da vida uma aventura errante,
De repente não mais que de repente.

"Apelo" é, na minha humilde opinião, um dos grandes feitos da dupla Vinícius de Moraes e Baden Powell, da Bossa Nova, e da Música Popular Brasileira; essa versão com o "Soneto de Separação" transporta o ouvinte para a realidade do eu-lírico e o perdoa sem hesitação alguma. A música tem tanta força que pode fazer qualquer pessoa que passa pela mesma situação cair aos prantos ao escutá-la, Vinícius é mestre nisso: em expressar nosso sentimento mais íntimo através de palavras tão belas. Obrigado, Capitão do Mato, poetinha, meu mestre, Vinícius de Moraes.


terça-feira, 11 de junho de 2013

Do Fel ao Desamor

Tenho provado
O fel
Do mel:
Teu céu.

Tenho fingido,
Com desdém,
Ser alguém
Que convém.

Tenho pedido,
Em oração,
Um coração
Chei' de razão.

Tenho deixado
Em um patamar
Acima do amar
O tal desamar.

Em 11/06/2013

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Palavras Salivadas

Algum dia viria tomar-me a dor,
Destruidora dos sentimentos que vão e vêm,
Que, com um impulso de um falso amor,
Jogou-me na face o que a boca tem.

Palavras tão secas, desvairadas,
Que unidas à saliva intermitente
Revoaram sobre a face que antigamente
Recebia beijos e tristezas amarguradas.

Já que o impulso descontrolável da força
Veio, em tríade, por dedos representado,
Saibas que ao mesmo tempo, amiga moça,

Meu coração se perdia entre a vontade
De, em resumo, nunca ter te amado
E a intenção de para sempre deixar saudade.

Em 01/04/2013

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Crítica: Anticristo (2009) de Lars Von Trier.

Luto, dor, desespero: os três primeiros capítulos de um dos filmes mais polêmicos de Lars Von Trier, Anticristo (Antichrist, 2009), apresentado no festival de Cannes e divisor de tantas opiniões. Vaiada e aplaudida em sua primeira exibição, a obra cinematográfica, repleta de simbolismos, discorre sobre Femicídio, a realização do prazer em detrimento da "obrigação" maternal e critica o famoso passado da Igreja Católica. Baseado nos ideais do livro de Friedrich Nietzche com referências à Bíblia Sagrada, o roteiro foi escrito em um dos seus momentos de depressão, onde estava caindo em um imenso abismo, o que confere ao filme uma personalidade extremamente pessimista. 


Anticristo é dividido em seis partes (Prólogo, Luto, Dor, Desespero, Os Três Mendigos e Epílogo) e narra a história de um casal em luto pelo filho que havia se jogado de uma janela enquanto praticavam relação sexual, fato que desestrutura a esposa (Charlotte Gainsbourg) e a faz querer se isolar do mundo, em uma cabana chamada de "Éden", junto do marido e analista (William Dafoe). A relação entre eles é fria, pautada em sexo, eles não se conhecem, ela é a paciente dele, algo meramente profissional, não parecem um casal. A luta entre o prazer e a maternidade é posta em pauta, a loucura da mulher desestruturada chega a ser  impactante e a ironia de "ser" um ser humano mais ainda.


A cena inicial já mostra que o diretor dessa vez veio com tudo, pois consegue ser, ao mesmo tempo, bela e angustiante. Em preto e branco e em câmera lenta vemos a dualidade vida/morte, a concepção de um ser (o sexo, na sua essência) e a queda fatal de um outro. Tudo isso ao som de Lascia Ch'io Pianga (Deixe-me Chorar) da ópera Rinaldo de Handel. O prólogo pode ser conferido logo abaixo.


Durante as quatro partes do filme, podemos presenciar a decadência psicológica da mulher e a força racional do homem; o Femicídio é duramente criticado e, por tabela, a igreja também o é. A natureza é tratada como um personagem antagônico, o vento é a respiração do demônio. Em uma cena, no mínimo cômica, onde uma raposa fala para o homem: "O Caos Reina", prefiro acreditar que o intuito do diretor era equiparar o homem à raposa, afinal ambos são animais. O terror psicológico toma conta do ambiente e o sarcasmo, como de praxe, fica exacerbado na tela.

O roteiro é de autoria do próprio Lars Von Trier, o que automaticamente é interessante, e requer muita atenção e reflexão por parte do espectador. As referências à bíblia sagrada são claras e podem ser observadas através da "Árvore da vida" e do "Éden". As críticas ao passado negro da Igreja podem ser verificadas através do tratamento dado à morte de mulheres nos tempos da Inquisição. Apesar de se usar de inúmeros simbolismos, o que torna o filme um pouco inacessível, o dinamarquês novamente acerta ao criar um roteiro diferenciado que para sempre ficará na memória de qualquer pessoa.


Charlotte Gainsbourg, a queridinha do diretor, veio arrebatadora; incrível como ela retrata um personagem tão difícil de forma tão segura e completa, os enquadramentos até chegam a lembrar a imortal Wendy Torrance de "O Iluminado" do incomparável Stanley Kubrick. William Dafoe, de modo soberbo, retrata o racional masculino, o analista introspectivo, e nos dá o que provavelmente é a sua melhor interpretação. 


A direção de Lars Von Trier alcança, mais uma vez, a excelência; o prólogo é de um bom gosto artístico descomunal, incrivelmente belo e doloroso; os rostos embaçados conferem aos personagens a solidão; a escuridão conversa com a tão famosa e autoral câmera tremida. O sobrenome do "modesto" dinamarquês deveria ser Inovação, pois, nunca contente com o curso que o cinema toma, sempre tenta fazer algo diferente, que conquiste (ou não) o espectador, mas que deixe registrado o que foi feito, como foi feito e por quem foi feito.


Anticristo é mais uma grande obra de arte intimista e crítica, apesar da sua difícil acessibilidade e da subjetividade com que o sofrimento do diretor tomou, posso afirmar, sim, que mais uma vez Von Trier fez um grande trabalho. O cinema nas mãos dele se torna inesquecível e extremamente artístico, obviamente, ele está se tornando um dos grandes gênios do cinema contemporâneo, e é com ele que a sétima arte me fascina cada vez mais.