Tom Zé já é sinônimo de qualidade, e seria impossível não fazer uma análise de uma música do mestre baiano. Famoso por compor de forma bastante autoral, Tom Zé se lançou no mundo da música em 1968 com seu primeiro disco "Grande Liquidação (1968)", onde canta e encanta, em épocas de ditadura, para os brasileiros. Nas palavras do próprio sobre o disco: "Somos um povo infeliz, bombardeado pela felicidade. O sorriso deve ser muito velho, apenas ganhou novas atribuições." e continua: "Entretanto, quando os sorrisos descuidam, os noticiários mostram muita miséria."
Sabe-se que a tristeza estava presente em grande parte da vida dos artistas e estudantes enquanto sob regime ditatorial civil-militar (1964-1985). Ao mesmo tempo, o país crescia com a industrialização e, com ele, o sonho de torná-lo uma nação "desenvolvida" crescia junto. "Parque Industrial" canta, através de ferrenhas ironias, justamente essa ambiguidade, a infelicidade mascarada de felicidade, a produção "Made In Brazil" e até a mudança brusca dos assuntos "relevantes" nos meios de comunicação.
Retocai o céu de anil,
Bandeirolas no cordão,
Grande festa em toda a nação.
A primeira estrofe já exprime o amplo sentimento nacionalista que se tinha na época do desenvolvimento. Em contrapartida, o irônico primeiro verso já inaugura o belíssimo jogo realizado no decorrer da música; ao "retocar o céu de anil", tem-se, obviamente, uma grande crítica ao subproduto das fábricas que estavam tomando o espaço brasileiro, no caso, a poluição do ar tão criticada até hoje.
Despertai com orações,
O avanço industrial
Vem trazer nossa redenção.
Nessa estrofe, temos novamente a presença da ironia do cantor ao sugerir que a industrialização trará redenção aos brasileiros, o que funciona perfeitamente para a situação pois somos tão famosos por formarmos um dos países com o maior número de católicos do mundo.
Tem garotas-propaganda
Aeromoças e ternura no cartaz
Basta olhar na parede,
Minha alegria
Num instante se refaz.
Na terceira estrofe, o baiano exemplifica algumas das consequências adquiridas pela sociedade com o advento da industrialização, como as garotas-propaganda e a ternura que um cartaz pode passar representando, assim, a força da publicidade; e as aeromoças simplificando o mercado aéreo, já que o avião era, na época, um dos maiores e melhores modelos da capacidade criativa do homem. O fim da estrofe retoma a ironia das outras ao haver a afirmação de que a alegria se reapresenta ao simples ato de olhar a uma parede recheada de anúncios publicitários.
Pois temos o sorriso engarrafado
Já vem pronto e tabelado
É somente requentar e usar
Porque é made, made, made, made in Brazil.
Nessa estrofe, Tom Zé continua o pensamento da anterior, agora o sorriso também faz parte do processo de industrialização. Ele foi engarrafado, tabelado e já vem pronto, basta apenas "requentá-lo", ou seja, que outro processo industrial seja usado. No fim, vemos a adoção do termo em inglês "Made In Brazil" que significa "Fabricado no Brasil", em alusão ao texto que está nos produtos adquiridos de origem nacional.
A revista moralista
Traz uma lista dos pecados da vedete,
E tem jornal popular
Que nunca se espreme
Porque pode derramar
É um banco de sangue encadernado
Já vem pronto e tabelado
É somente folhear e usar
Porque é made, made, made, made in Brazil.
Nas últimas estrofes da canção, Tom Zé critica o caminho em que os meios de comunicação tomaram para atrair o público, assim, se assemelhando ao processo industrial que estava em voga, como uma revista que se julga detentora da moral, e por isso, expõe os pecados das atrizes famosas; ou um jornal, que se julga popular, mas vive às custas do sangue doado com a violência e a miséria das ruas. No penúltimo verso, vemos que, com isso, os meios de comunicação passaram a ser vazios, e a população, em resposta, passou a apenas folhear, passar os olhos sobre eles. E sim, tudo isso foi e ainda o é fabricado no Brasil.
"Parque Industrial", uma das grandes obras-primas do baiano, foi gravada também para o disco que inaugura o movimento tropicalista no Brasil, o "Tropicalia ou Panis et Circensis (1968)" e revela o criticismo do cantor e compositor acerca do desenvolvimento brasileiro pautado na indústria. A ironia, tão presente em suas produções, ganha um espaço todo especial e, de modo inteligentíssimo, reafirma o que, para mim, já é uma realidade: a genialidade de Tom Zé.
Fontes:
- http://www.tomze.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=82:tom-ze-1968-sony-music&catid=6:discografia#4b
- http://tropicalia.com.br/eubioticamente-atraidos/visoes-estrangeiras/tropicalia-modernidade-alegoria-e-contracultura#sthash.EHlaTQ8i.dpuf
- http://jeocaz.wordpress.com/2009/02/16/tropicalia-ou-panis-et-circencis-o-album-manifesto/
ótima analise, queria uma analise assim de todas as musicas do álbum tropicália ou panis et circencis, mas não encontro
ResponderExcluirVerdade, Guilherme, infelizmente não há leituras específicas acerca desse álbum, o que é uma perda, de uma certa forma, para nós todos. Muito obrigado pelo retorno! Abraço :D
Excluirtem o livro q traz um texto e um pôster para cada música do álbum:
Excluirhttp://tropicalia.com.br/livro/#close
Quem agradece sou eu pelo retorno, Manuela. Obrigado! :D
ResponderExcluirQual seria o genero musical da musica parque industrial? Kkkkkkk otima analise (=w=)-b
ResponderExcluirMPB??
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