sábado, 14 de setembro de 2013

Crítica: "Elefante (2003)" de Gus Van Sant

Uma belíssima experiência sensorial, que elimina o tato da parábola budista e dá aos cegos deleitosos olhos.

"Dois estudantes estraram em sua escola na manhã de 20 de abril de 1999, sacaram armas e começaram a atirar em seus colegas e professores. Eles planejavam o ataque há mais de um ano e, com um estoque de explosivos, pretendiam destruir a escola inteira."

O massacre de Columbine, que fica em Colorado nos Estados Unidos, até hoje é lembrado como um dos maiores do país e causa, inevitavelmente, um certo tipo de comoção por parte de estudantes, professores e familiares que tinham algum tipo de relação com a escola ou com as vítimas. Apesar de ter havido outros,  como o da escola primária de Sandy Hook, em Connecticult no ano passado, os norte-americanos não são os únicos que sofrem com os ataques em escolas. No Brasil, mais especificamente na comunidade do Realengo no Rio de Janeiro, um ex-aluno da escola Tasso da Silveira, na manhã do dia 07 de abril de 2011, disparou contra estudantes, dos quais onze crianças foram mortas e outras treze ficaram feridas. 


Baseado quase que totalmente no "Massacre de Columbine" e no documentário homônimo de Alan Clarke de 1989, Gus Van Sant roteirizou e dirigiu uma das grandes obras da década passada. O título é baseado em uma parábola budista sobre um grupo de cegos que examinam diferentes partes de um elefante; cada um afirma que entende a natureza do animal com base apenas no tato, nenhum vê ou sente sua totalidade, mas todos arriscam um palpite, que se mostra deveras equivocado. 

"Elefante (Elephant, 2003)" se infiltra no universo adolescente e narra de modo fascinante sua realidade, para tal, Van Sant frequentou a "High School" americana, que é palco da película, e selecionou dentre tantos alunos, depois de vários testes, os atores que mais convinham com sua perspectiva. A partir das entrevistas e da convivência, o diretor foi montando o que seria o roteiro final do filme, preservando por vezes diversos diálogos que ocorreram entre os estudantes no período de seleção de elenco. 


A crítica social presente na obra não se restringe somente à ação dos jovens assassinos, muito pelo contrário, eles são colocados como mártires tendo em vista o sofrimento que frequentemente estavam a encarar nos corredores do colégio, o bullying é claramente o responsável pelas mortes e é a ele que o diretor se refere e se posiciona amplamente contrário. Como plano de fundo e respeitando os moldes de qualquer instituição de ensino da atualidade, não poderiam faltar as patricinhas fúteis, os jogadores metrossexuais e os "nerds" tidos como estranhos para o resto do grupo; esteriótipos que irão fomentar também as discussões de gênero, mas de maneira bem singular: Como conhecer um homossexual? Se ele usar uma pulseira de arco-íris? E se ele usar rosa? Fica clara a posição do diretor americano acerca do tema no momento em que, de repente, os jovens assassinos tomam banho juntos e juntos têm seu primeiro e último beijo. 

Van Sant, não contente em apontar sua mira apenas aos adolescentes e seus atos, também critica o governo dos Estados Unidos e o acesso a armamentos pesados que é dado aos cidadãos. No filme, os jovens encomendam armas por um site de compras e rapidamente o pacote chega no endereço solicitado, apesar de o entregador, ironicamente, dizer que a dupla estaria "matando aula". 


A antítese aproximação/afastamento, a partir da ideia de planos e enquadramentos, é destrinchada pelo diretor quando em  sequência, a alternância entre plano geral, plano médio, plano americano, e primeiro plano são feitos de forma lógica; a troca quase que costumeira reitera a ideia de, ao mesmo tempo, conhecimento e desconhecimento do personagem em questão. O ângulo de nuca, usado e abusado, funciona como intenção do diretor em fazer com que o espectador seja o personagem e acompanhe o desenrolar da trama a partir deste ponto de vista, ação que só é melhorada com a presença dos "travellings", tão costumeiros em "O Iluminado" de Stanley Kubrick e a cena final em "Acossado" de Jean-Luc Godard. 


Elefante é uma belíssima experiência sensorial, que elimina o tato da parábola budista e dá aos cegos deleitosos olhos, para que, com eles, uma obra de arte contemporânea possa ser observada, e posteriormente saudada, quer seja pela sua crítica social, pela sua magnânima direção ou pela sua incrível fotografia. Aqui, Gus Van Sant alcança seu auge e marca seu nome e seu complexo "animal social" na história do cinema.


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