quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Crítica: "Fahrenheit 451 (1966)" de François Truffaut

"O poder incomensurável da leitura e a incineração, por Truffaut, da sociedade da alienação."

A década de 1960 foi marcada pela instauração de regimes totalitários ao redor do mundo. Rodeado pela Guerra Fria, em 1964, o Brasil entrou em um dos seus momentos mais críticos, a ditadura civil-militar, momento de supressão de direitos e censura à arte e aos artistas. Cantores foram exilados, escritores impedidos de publicar livros com viés opositivo, e com isso, não seria muito difícil imaginar uma época em que todos os textos que fossem de encontro ao pensamento do Estado seriam censurados, ou quem sabe incinerados.


“Fahrenheit 451 (idem, 1966)” foi lançado nessa atmosfera e norteia esse pensamento através da futura sociedade da desinformação. O filme foi baseado na obra homônima de Ray Bradbury, e adaptado para o cinema sob as mãos de François Truffaut, cineasta francês e expoente de um dos movimentos mais importantes da história do cinema, a Nouvelle Vague. Truffaut, em seu único trabalho em língua inglesa, pinta uma sociedade marcada pela censura, onde o livro é propagador da infelicidade, e a televisão um ser cultuado e responsável pela socialização do indivíduo. 

Guy Montag (Oscar Werner) é um bombeiro em uma época onde a função dessa profissão está mudada, bombeiros não apagam mais fogo, eles incineram livros, estes os causadores do mal da sociedade, inspiradores de imaginações férteis e vãs e que por isso precisam ser excluídos da vida das pessoas. Ao conhecer Clarisse (Julie Christie), defensora veemente da literatura, Montag se vê interessado pelos livros e aos poucos se torna um leitor assíduo, diferente de sua esposa, Linda (Julie Christie novamente) que é moldada pelo Estado através da televisão, principal veículo propagador de informações. 


Truffaut, genialmente, nos insere na realidade dos personagens ao excluir da obra cinematográfica qualquer letra que possa lembrar algum discurso escrito; nos créditos iniciais, em vez de observarmos os nomes dos realizadores perpassando na tela, apenas escutamos um narrador fazendo esse exercício, durante toda a exibição, só se pode ver algum tipo de texto em um livro, o que aumenta de modo inevitável a defesa do espectador pela preservação desse instrumento. 

O francês também concentra sua crítica no ataque à sociedade da alienação, personificada pela personagem Linda, que prefere tragar informações pela televisão, mas não se importa em filtrá-las, tornando-se assim títere do meio social em que vive apenas por não ter disposição para encará-lo. Fica clara a intenção do diretor em demonstrar que, para ele, é nociva a preferência de uma parcela da sociedade que preferiu aderir ao fenômeno televisivo em vez da leitura.


Mas a crítica principal ainda se vale perante a censura, ato duramente questionado e explanado na produção, nesta os livros não representam apenas a si mesmos, mas qualquer material que apresente conteúdo opositivo ao regime instaurado. Pode-se verificar que a arte foi suprimida e que seus detentores perseguidos pela razão de espalharem infelicidade, o ato de sentir foi excluído da vida social, os sentimentos eram considerados sinônimos de fraqueza e é contra eles que se devia lutar.


O aspecto único adquirido pela obra cinematográfica também pode ser reiterado através do jogo de planos dado por Truffaut, o primeiríssimo plano (ou super close) pode ser observado nos momentos de leitura dos personagens, intencionando o espectador a concluir que nesse momento eles poderiam ser melhor entendidos. Em contrapartida, preservando as características da Nouvelle Vague, a estética do fragmento é bem distribuída dando à obra uma relação de acaso graças às frequentes mudanças de planos e lugares; quanto à narrativa, observa-se também relação com a vanguarda no tocante à presença do personagem marginal representado por Montag e à valorização da posição do narrador.

“Fahrenheit 451” ainda continua a ser uma das mais belas obras com viés questionador realizadas na década de 1960, sua crítica ferrenha à censura, à supressão dos sentimentos e à alienação da sociedade faz com que o espectador reflita sobre tais pontos e os exclua da sua visão de sociedade futura. François Truffaut suscita os sentidos e mostra a qualquer observador a importância do querer ser, do querer fazer, e acima de tudo do querer sentir, enquanto esta for a principal razão de se viver.


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